A VIDA É UMA PODA
Curador procura artista. Artista aceita curador.
Estão prontos para virar a página.
Lá fora, pedras e árvores são objectos-sujeitos. Interrogam-nos.
Cá dentro, esboços sobre o erro.
Nos bastidores da consciência.
Limiares de vulnerabilidade.
A procura das formas da luz.
Thierry Ferreira está num momento de mudança.
Numa pausa para pensar.
O momento de reflexão convida-o escutar a sua práctica.
Ali, um ramo seco. Aqui, talvez um brotar. Espera.
O diálogo é com as suas mãos.
É com os seus instrumentos e os seus espaços.
É sobretudo com o agora.
No quintal do seu amplo atelier, Thierry tem duas árvores.
Trocam, mudas, experiências de vida.
Uma foi podada de forma brutal e não sobreviveu.
A outra, em animado seu solilóquio, tem as raízes bem vivas.
Bem agentes na terra.
Na Terra.
Foi este pequeno acontecimento gramatical que pôs Thierry a caminho.
O curador tem humor. Isso não se pode negar.
E um tumor. E um tremor. E outro.
São teimoso lembrete do valor da poda para a vida.
Escondermo-nos é matar em nós mesmos a seiva da maravilha.
O caminho é abrir bem os olhos para os voltar a fechar.
Abrir os olhos até eles se fecharem do lado de dentro.
O curador já não tem dor.
Na cultura, mais do que em qualquer outra horta.
É altura de arregaçarmos as mangas.
Trocar as voltas aos papéis que nos…
Podem.
Estas páginas são um pequeno corte no processo.
O da vida consciente, partilhada como maravilha.
Sangue do Teu Sangue.
Olhamos demasiadas vezes para o artista como peça de um mecanismo.
Ventríloquo. Marioneta. Pião. Produto. Símbolo e sintoma.
Mas não hoje. Hoje, Thierry és a primeira página.
Eu estou às tuas costas. Juntos nos bastidores da poda.
Matéria sem peso. Graça sem movimento.
Ambos nos cruzamos nos bastidores de um movimento maior.
Fenómeno miraculoso.
Autoria: Mário Caeiro e Thierry Ferreira | Lay-out: Thierry Ferreira | Colaboração: Natureza | Caldas da Rainha e Alcobaça 2020