III Pistas II Obstáculos
(EN)
O íntimo atravessado
III Pistas II Obstáculos de Thierry Ferreira
The category of the intimate discussed here deals exclusively with divided, consubjective and inter-intelligent interiors in which only dyadic or multi-poled groups are involved – and which, in fact, can only exist to the extent that human individuals create these particular spatial forms as autogenous vessels thorough great closeness, through incorporations, invasions, intersections, interfoldings and resonances (and, in psychoanalytical terms, also identifications).
Peter Sloterdijk
Yes, I am talking to you. The challenge consists in entering this obstacle course. The three comfortable racing tracks in front of you, and the two sculptures which interrupt them, question the unstoppable rhythm of our performance as social beings. Maybe they can redesign us.
In Thierry Ferreira’s artwork, the language of sculpture is contaminated by the mechanisms of architecture, by the inevitability of the places, by the signage speeches and the image rhetoric. It is a sculpture that functions as a drawing in space, assertively communicating its own presence, but, at the same time, aerial and atmospheric. We go through it like an open idea, like a a concept in which we physically participate, because it seems habitable to us.
On the stage created at the Espaço Amoreiras for an informal connection with each passer-by/spectator, we are all – as long as the spectators are available for the challenge – imaginarily running along these tracks and jumping over the obstacles. Properly, this is not a ‘relational’ work. It merely defines an intentionality which encourages the viewer to go beyond the visible in order to understand the invisible. It is the act of imagining that becomes the protagonist, action triggered by unmistakable signs which, paradoxically, recover the imponderable of each individual projection.
That said, we can say that any Thierry Ferreira’s art work is a play with scales. In the breath of enhancing and decreasing, each art piece is the final result of accurate preparatory models, it holds a color, transits through a joint and lays on a weight. The artist reveals himself provided with that infinite force of recombination which makes everything new, even the most familiar of sculptural structures.
The forms that emerge in the artist’s mind are experimentally materialized in different opportunities to become public artwork, in a process defined by the constant search of scales and materials suitable for their enjoyment by a wider public.
III Pistas II Obstáculos is a follies composition – like the ones in Bernard Tschumi’s park at Paris. It is a contemporary fantasy. Drawing this piece to this place – in situ – implied, by the artist and the Edge Arts team, a daring appropriation of the context. By making the challenge of daydreaming as
unavoidable, the possible as urgent, it shows us how only one day of our daily life crossed by art makes us more humans. As a situation which interrupts daily flows in a playful way, settled in a record of elegant irony, this is a piece that, precisely in order to its own message to be passed, dispenses any descriptive memory. Its optimism is genuine, its strength is concrete.
My apologies, but I am going for another ride.
Nevertheless, let me point out one more thing. In this new kind of aesthetic experiences of which the Global City and its flows are inspiration, theme and playing field, we fundamentally witness a recoding of the everyday life experience. Then, we realize for a fraction of a second that we will never be robots.
Mário Caeiro
Lisbon, 5th March 2018
Translated from the Portuguese by Sara Pereira
Sim, é consigo que estou a falar. O jogo consiste em entrar nesta corrida de obstáculos. As três confortáveis pistas à sua frente e as duas esculturas que as interrompem interpelam-nos e ao ritmo imparável da nossa performance como seres sociais. Se calhar redesenham-nos.
Na obra de Thierry Ferreira, a linguagem da escultura deixa-se contaminar pelos mecanismos da arquitectura, pelas inevitabilidades dos sítios, pelos discursos da sinalética e a retórica da imagem. É uma escultura que funciona como um desenho no espaço, comunicando a sua presença de forma assertiva, mas ao mesmo tempo aérea, atmosférica. Atravessamo-la como a uma ideia em aberto. Como a um conceito em que participamos fisicamente, precisamente porque se nos afigura habitável.
No palco criado no Espaço das Amoreiras para a relação informal com cada transeunte-espectador, acabamos todos – desde que disponíveis para o encontro – a correr imaginariamente ao longo destas linhas e a saltar por cima destes obstáculos. Não se trata de um trabalho propriamente ‘relacional’. Limita-se a definir uma intencionalidade que seduz o espectador a atravessar o visível para compreender o invisível. É o imaginar que então se torna protagonista, acção despoletada por sinais inequívocos que, paradoxalmente, resgatam o imponderável de cada projecção individual.
Dito isto, qualquer obra de Thierry Ferreira é sempre um brincar com a escala. Na respiração do aumentar e do reduzir, cada obra, resultado final de apuradas maquetes preparatórias, segura uma cor, transita através de uma articulação, assenta num peso. O criador revela-se dotado daquela força infinita das recombinações que torna tudo novo, até a mais familiar das estruturas escultóricas. As formas que lhe vão surgindo na mente são assim experimentalmente materializadas nas diferentes oportunidades para se tornarem públicas, num processo caracterizado pela constante procura das escalas e dos materiais adequados à sua fruição por um público lato.
III Pistas II Obstáculos é uma composição de follies – como as do parque de Bernard Tschumi em Paris. É uma fantasia contemporânea. Desenhar esta peça para aqui – in situ – implicou, da parte do artista e da equipa da Edge Arts, uma ousada apropriação do contexto. Tornando incontornável o desafio do devaneio, inadiável o possível, demonstra como apenas um dia-a-dia atravessado pela arte nos torna humanos integrais. Enquanto situação que interrompe os fluxos diários de forma lúdica, num registo de elegante ironia, esta é uma peça que, precisamente para que a sua mensagem passe, dispensa quaisquer memórias descritivas. O seu optimismo é genuíno, a sua força concreta.
Desculpem, vou dar mais uma voltinha.
Mas só mais uma coisa. Neste novo tipo de experiências estéticas de que a Cidade Global e seus fluxos é inspiração, tema e terreno de jogo, o que testemunhamos é fundamentalmente uma recodificação da experiência quotidiana. E aí, percebemos por uma fracção de segundo que jamais seremos robots.
Mário Caeiro
Lisboa, 5 de março de 2018